Após completar 50 anos, Jocum continua fiel ao ideal de fazer Cristo conhecido em todas as nações.

Julho de 2010. Enquanto as chuvas de monções inundam o Paquistão, o mundo se mobiliza para socorrer os mais de 20 milhões de vítimas entre mortos, feridos e desabrigados. As enchentes do último verão foram apenas mais uma tragédia num país já vitimado pela miséria e pela instabilidade política e econômica. Um quinto de todo o território paquistanês ficou debaixo d’água, trazendo à imensa população do país riscos imediatos como a fome e a disseminação de doenças. Em meio a diversas entidades internacionais de apoio humanitário, organizações não-governamentais, grupos civis e instituições religiosas que foram para lá, centenas de estudantes evangélicos mobilizam-se para prestar socorro. Eles são alunos da Escola de Treinamento e Discipulado (Eted) de Karachi, a capital do país. Aspirantes a missionários, aprenderam desde cedo que, para fazer Cristo conhecido pelos povos, é preciso legitimar a pregação com ações concretas em favor do próximo – exatamente como o próprio Filho de Deus ensinou enquanto andou por este mundo.

Corta para o passado. Num belo dia no ano de 1960, um certo Loren Cunningham também ficou interessado em dar algum sentido à sua vida espiritual além dos cultos de domingo. Contando com dois amigos crentes e um mimeógrafo usado, montou na garagem de sua casa, em Los Angeles (EUA), um escritório missionário. A ideia inicial era incentivar outros jovens evangélicos a usar um pouco de seu tempo para anunciar a Palavra de Deus e fazer algo útil a alguém. Os voluntários deveriam estar conscientes de sua responsabilidade espiritual perante os perdidos e ser capazes de prover o próprio sustento, fosse com recursos pessoais ou através de doadores. A coisa cresceu, mais e mais pessoas foram se envolvendo e o projeto de Cunningham se transformou numa das mais bem sucedidas iniciativas missionárias de todos os tempos. Uma verdadeira multinacional da fé.


Os dois episódios estão separados por 50 anos, mas fazem parte do mesmo contexto. Jovens com uma Missão (Jocum), a entidade fundada por Cunningham, é a mesma que prestou socorro ao povo do Paquistão e hoje atua em mais 170 países, sob o lema “conhecer a Cristo e fazê-lo conhecido” – inclusive no Brasil, onde o ministério foi instalado em 1975 pelo casal de missionários Jim e Pamela Stier. Os jocumeiros, como os membros da missão são chamados, dão conta de um leque enorme de ministérios: cuidam de refugiados chechenos que vivem na Polônia; reconstroem vilas birmanesas depois da passagem do devastador ciclone Nargys; compartilham o Evangelho em grandes eventos como a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos; abrigam filhos de prostitutas na Índia; ensinam populações africanas a melhorar a produção rural com técnicas simples; montam ambulatórios médicos em regiões conflagradas, das zonas de guerra no Oriente Médio aos morros do Rio de Janeiro; distribuem bíblias em regiões tão diversas como a periferia do Cairo, no Egito, e a Patagônia, extremo sul do continente americano. A isso, soma-se um sem-número de atividades, os chamados impactos evangelísticos, e variadas ações missionárias no contexto urbano, através de apresentações artísticas e muita criatividade.

O resultado disso tudo vai além da pescaria de almas para Cristo, promovendo também mudanças sociais significativas. “Nós estamos trazendo a mensagem de que Deus os ama e de que queremos ajudá-los”, resume Liz Cochrane, missionária de ascendência suíça que acionou seus contatos com empresários americanos a fim de levantar fundos para a compra de 100 mil filtros para contornar a falta da água potável para os refugiados paquistaneses. Aos 48 anos de idade, ela tem o perfil do jocumeiro típico, que não se detém diante de riscos e desconfortos para fazer a obra. Em 1985, ela chegou a ser presa no Nepal por pregar o Evangelho, então proibido no pequeno país asiático. Para ela, assim como para os cerca de 4 milhões de pessoas que já atuaram na Jocum neste meio século, o maior perigo é ficar longe do centro da vontade de Deus.

Responsabilidade e inovação – Evangelismo, preparação e misericórdia são os três pilares da atuação da Jocum nos cinco continentes.Com força de trabalho da ordem de 17 mil missionários ativos – mais de 50%, não-ocidentais –, um dos maiores desafios da Jocum é prover treinamento e discipulado a toda essa gente. Cada aspirante, independente da nacionalidade, denominação ou idade, deve frequentar um curso obrigatório de seis meses nas Escolas de Treinamento e Discipulado, oferecido nas mais de 1,2 mil bases da missão em todo o mundo (ver abaixo). Depois disso, os estudos podem ser estendidos em bacharelado e mestrado na Universidade das Nações, uma escola nada convencional. A instituição usa o sistema modular, oferecendo foco intensivo em um tópico, seguido pela prática experimental no campo.

Ciente de que os novos rumos da obra missionária demandam mão de obra especializada, inclusive para furar o bloqueio legal à entrada de cristãos em pelo menos um terço dos lugares onde atua, a Jocum forma “fazedores de tendas”. É gente que, à semelhança do apóstolo Paulo, desenvolve uma atividade profissional paralela ao trabalho evangelístico. Cursos dos mais variados, nas áreas de saúde, tecnologia, aconselhamento, magistério e linguística, entre dezenas de outros, são ministrados paralelamente ao ensino bíblico e teológico. Tudo para que o obreiro possa aproveitar todas as oportunidades de falar do amor de Cristo a toda criatura. Viagens missionárias de curta duração durante o verão, blitzen evangelísticas em grandes eventos e assistência médica através de navios-hospitais só algumas das ações criadas pela Jocum. “Quanto mais inovador o ministério, melhor”, diz David Joel Hamilton, vice-presidente de Estratégias da missão.

Descentralização é mesmo a palavra de ordem, e embora exista um conselho chamado Equipe de Liderança Global (GLT, na sigla em inglês) formado por 45 líderes regionais e internacionais, cada base nacional da Jocum tem autonomia administrativa e financeira, planejando suas viagens ao campo, bem como programas de treinamento, recrutamento de obreiros, captação de recursos e determinação de prioridades ministeriais. Enxugar a maquina, reduzindo os cargos administrativos ao mínimo indispensável, foi a maneira encontrada para que a quase totalidade dos recursos disponíveis seja usada nos projetos e impactos. Ninguém é assalariado; cada missionário levanta a sua rede pessoal de mantenedores e assume a responsabilidade pelo próprio sustento.

Atualmente, o presidente internacional da missão é o neozelandês John Dawson. Aos 75 anos de idade, Cunningham permanece ativo, embora não exerça mais a liderança formal da obra. Extremamente respeitado pelo seu legado, ele comemorou os 50 anos de ministério com um tour global, ao lado de Darlene, sua mulher e companheira de missões. Eles participaram de mais de quarenta celebrações regionais, incluindo o Nepal e a Mongólia, onde o trabalho cristão enfrenta sérias barreiras legais e culturais. A festa do cinquentenário culminou no quartel-general da Jocum, em Kailua-Kona, no estado americano do Havaí, no fim de novembro. “Não conheço mais ninguém que, como ele, tenha perseguido o escopo da grande comissão indo a cada país do mundo”, elogia Steve Douglass, presidente de campo da Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo Internacional, instituição parceira de Jovens com uma Missão.

Cunningham continua levando avante seu sonho de ver milhões de jovens evangelistas vindos dos quatro cantos do globo e invadindo pela fé as nações. Na Universidade das Nações do Havaí, ele é um professor acessível a todos os alunos que desejam abraçá-lo e bater um papo. “Ele é um excelente contador de histórias e sempre deixa a mente dos jovens fascinada, capturando sua atenção”, diz Don Stephens, que serviu como líder sênior na Jocum por três décadas. Quem não conhece sua trajetória não acreditaria nos perigos que Cunningham já enfrentou para levar o Evangelho, desde um avião sem combustível caindo numa floresta do Togo a doenças endêmicas em regiões afetadas por surtos de hepatite e malária – sem falar num acidente de carro, logo no início do ministério, do qual Darlene saiu praticamente morta e recobrou o fôlego após uma oração desesperada do marido. Desde então, o fundador nunca mais perdeu a sua profunda confiança em Deus, a qual, garante, é o que lhe sustenta.

“Compartilhamos sonhos” – “Estou há 20 anos na Jocum e minha motivação para participar desse ministério foi a forma como a organização encara os desafios missionários”, diz Vida, uma jocumeira brasileira. O nome é fictício, já que, na nação onde ela atualmente trabalha, os evangelistas correm risco real de vida se suas atividades forem descobertas. A obreira conta histórias que mais parecem enredo de filme de ação, mas o que realmente a empolga é seguir o chamado. “A paixão de todo jocumeiro é realmente conhecer mais a Deus e fazê-lo conhecido”, recita. Para Vida, a paixão pelas almas e o desafio de sempre caminhar por fé é o que leva as pessoas a se integrarem a Jovens com uma Missão. “Temos acesso a excelentes cursos ligados à Universidade das Nações, que treinam e qualificam o missionário para o ministério”, descreve.

As diferentes escolas e cursos de treinamentos normalmente funcionam nas bases da Jocum e, paralelamente ao aprendizado, diversos projetos são desenvolvidos. Os de maior visibilidade são os impactos evangelísticos em datas específicas como réveillon e carnaval, além de celebrações religiosas como o Círio de Nazaré, em Belém (PA) e as romarias em honra à santa católica Senhora de Aparecida, no interior de São Paulo. É possível envolver-se apenas por determinado período, como as férias escolares. Tudo isso faz com que a passagem pela missão marque para sempre a vida espiritual dos jocumeiros. “Aprendemos a viver em comunidade; trabalhamos e estudamos juntos, compartilhando sonhos”, comenta Vida.

O paraibano Pedro Bezerra de Souza, carinhosamente chamado de Tio Pedro, é outro evangelista entusiasmado. Desde 1991, ele é o diretor de eventos de impacto na base de Contagem (MG). “O amor pelos perdidos e o desejo de levar outros a ter a mesma experiência de salvação é que me trouxe para cá”, conta. Na sua região, ele coordena atividades sociais e evangelísticas que incluem a evangelização de adeptos do candomblé na festa anual de Iemanjá, na Lagoa da Pampulha, e de turistas no Festival de Inverno de Ouro Preto. “Também organizamos almoços e palestras para as profissionais do sexo que fazem ponto na zona boêmia de Belo Horizonte”, conta. Incansável, Pedro tem se empenhado ultimamente em ajudar a levantar fundos para socorrer igrejas afetadas pelo terremoto no Haiti.

O presidente nacional, Wellington Oliveira, resume o espírito que norteia o trabalho: “Somos um organismo, e não uma organização. Uma família de ministérios cujo maior patrimônio são as pessoas”. Na Jocum há 28 anos, ele diz que a missão é um grupo que está atento às mudanças e tem adequado suas estratégias de acordo com as demandas. Foi assim, por exemplo, que obreiros ligados à entidade encabeçaram um movimento contra o infanticídio praticado por alguns povos indígenas, bem como na mobilização nacional contra a pedofilia. “Também apoiamos trabalhos desenvolvidos por igrejas locais”, diz o dirigente. Wellington admite que a ênfase dada a missões perdeu sua intensidade nos últimos anos, mas acredita que a vocação ministerial da juventude cristã não arrefeceu totalmente: “O crescimento do número de jovens que nos procuram é a prova disso”. É preciso, segundo ele, estar atento às mudanças de foco. “Como somos um mundo predominantemente urbano, é natural que, principalmente no Brasil, tenhamos as estratégias da juventude majoritariamente com esta ênfase.”
Multinacional da fé
171 países têm alguma atividade da Jocum em andamento
17 mil é o número aproximado de obreiros ativos hoje
4 milhões de pessoas já atuaram na missão
50 mil alunos passam todos os anos pela Universidade das Nações
1,2 mil centros de atividades missionárias estão em funcionamento no mundo
13% é a taxa anual de crescimento médio da quantidade de missionários
1,3 mil dos obreiros em atividade na Jocum são brasileiros
53 são os escritórios e centros de treinamento missionário no Brasil
100 países contam com o trabalho jocumeiros brasileiros